A tese do “jogo perfeito” ou da partida de “erro zero” costuma dominar o debate quando um sul-americano se vê diante de um superclube europeu da atualidade. Se é verdade que é preciso ter todas as circunstâncias a favor para ganhar um jogo deste nível, é possível dizer que antes dos 10 minutos a missão do Flamengo já se transformara no improvável exercício de contrariar todas as teorias. O time já errara o bastante para ser punido com dois gols pelo Bayern de Munique.
Imaginar o que teria sido o jogo sem os erros e os gols que condicionaram todo o restante do encontro é fantasiar um jogo que jamais será disputado. A partida que aconteceu em Miami já foi suficiente para permitir ricas reflexões não apenas sobre o Flamengo, que teve grandes méritos na partida, mas também sobre o que, no fundo, tem decidido boa parte dos confrontos entre clubes brasileiros e o seleto grupo de membros da elite bilionária do jogo: a desigualdade.
Os erros de Wesley em um dos primeiros movimentos do jogo, o de Rossi na origem do escanteio do primeiro gol, a forma como Arrascaeta é desarmado pro Upamecano no 2 a 0, a rebatida de Luiz Araújo no gol de Goretzka ou a decisão ruim do mesmo Luiz Araújo no 4 a 2, nada disso acontece isolado do contexto de uma partida assim.
Ainda que nem todos tenham sido erros claramente forçados – o de Rossi talvez seja um exemplo -, eles acontecem em meio ao exaustivo esforço de lidar, a cada toque na bola, com uma pressão individual que não oferece quase nenhum momento de trégua. E mais, diante de um adversário cujo poderio econômico permite reunir uma excelência técnica que, fatalmente, transformará cada equívoco em gol. É uma ameaça constante, um esforço físico e mental para evitar erros e tomar as melhores decisões no menor tempo possível e tendo permanentemente um rival no encalço.
Se havia um aspecto fascinante neste Flamengo x Bayern de Munique, era ver o time de Filipe Luís tentar impor uma de suas maiores virtudes contra um time especialista justamente em confrontá-la. Não há um time brasileiro com tantas ferramentas para sair de uma pressão contra sua saída de bola, mas desta vez estava do outro lado uma pressão cuja execução e intensidade não fazem parte da rotina do Brasil ou da América do Sul. Tenha sido por um fator mental, meramente técnico ou como resultado da pressão do Bayern, o fato é que o contexto torna o jogador mais propenso ao erro.
E é possível constatar isso e, ainda assim, enxergar traços elogiáveis no comportamento do Flamengo no jogo. Nenhum treinador escolhe o resultado de uma partida. Escolhe a forma como irá tentar ganhar e, eventualmente, perder. Os 51% de posse não são uma finalidade, tampouco um troféu, mas é justo observar que o Bayern não era superado neste quesito havia mais de três meses. Assim como os 12 arremates rubro-negros contra oito do adversário ilustram uma partida em que o Flamengo teve seus momentos. E que a escolha foi por manter sua identidade. Ter conseguido em várias passagens da partida não é nada desprezível.
Havia um plano claro para sair da pressão homem a homem do Bayern: movimentos de apoio dos atacantes, seguidos de ataques ao espaço dos jogadores mais velozes. O Bayer muitas vezes superou o Flamengo neste embate físico, mas houve passagens em que o Flamengo foi bem sucedido. Em outros momentos, o time reteve a bola e articulou no campo contrário, com Jorginho, Arrascaeta e Gérson, o melhor do time no torneio, conseguindo trocar passes. Foi numa manobra no campo do Bayern que surgiram o gol de Gérson e o pênalti convertido por Jorginho.
Em dado momento da primeira etapa a desvantagem de dois gols parecia até cruel. E aí entra a diferença entre o que dinheiro compra e o que ele não compra. Filipe Luís não viu seu time sofrer uma derrota por falta de ideias, de ferramentas táticas. A diferença é a execução.
Porque num jogo de tanta exigência, Wesley era importante na corridas pelo lado direito, no ataque à profundidade, mas sofreu quando precisou dar os primeiros passes sob pressão. Quando errou no quarto gol, Luiz Araújo já fora levado à exaustão num trabalho incansável com e sem bola, porque o custo físico de tentar igualar o jogo era alto. Arrascaeta, talvez o mais talentoso do Flamengo, teve imensa dificuldade física para lidar com o tipo de desafio que a marcação lhe impunha.
Do outro lado, Neuer fez defesa impressionante no chute de Luiz Araújo, Kimmich distribuiu o jogo e foi brilhante no passe para Kane marcar o último gol. E por falar no atacante, a precisão de suas finalizações punem qualquer erro defensivo.
O Bayern é melhor time do que o Flamengo, algo que já se sabia antes do jogo. É melhor time do que qualquer equipe sul-americana, assim como são melhores os oito a dez melhores times da Europa. E esta certeza é uma patologia do futebol atual, tão globalizado quanto desigual.
O Flamengo que sai da Copa do Mundo é um time muito bem treinado e fortíssimo em sua realidade nacional e continental. Algo que não tem sido suficiente contra os superclubes da Europa.
Por GE Esportes