JUSTIÇA

Suspeitos de planejar sequestro do senador Sérgio Moro e do promotor Lincoln Gakiya viram réus na Justiça Federal do Paraná

Em março, operação da Polícia Federal mirou integrantes de organização criminosas suspeitos de planejar ataques a Moro e outras autoridades.
01 de junho de 2023
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A Justiça aceitou a denúncia feita pelo Ministério Público Federal do Paraná (MPF-PR) contra 13 suspeitos de planejar um ataque ao hoje senador Sergio Moro (União-PR), ex-juiz e ex-ministro da Justiça, e contra o promotor de São Paulo Lincoln Gakiya, além de outras autoridades brasileiras.

"A atuação estruturalmente ordenada e mediante divisão de tarefas dessas pessoas associadas ficou bastante clara nos atos tentados e preparados em relação a Sérgio Fernando Moro", diz a denúncia.

Em março, a Polícia Federal (PF) deflagrou uma operação de combate a uma organização criminosa que, conforme a investigação, pretendia realizar ataques contra servidores públicos e autoridades.

A denúncia indica que retaliação a Moro era motivada por mudanças no regime de visitas em presídios, estabelecidas enquanto moro era ministro da Justiça no governo de Jair Bolsonaro.

Criminosos também trabalhavam com a ideia, segundo a investigação da PF, de sequestrar o senador como forma de negociar a liberação de Marcola. Ao menos dez criminosos se revezavam no monitoramento da família do senador em Curitiba, segundo agentes.

O promotor Lincoln Gakiya investiga a facção criminosa. Ele faz parte do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público de São Paulo) de Presidente Prudente, no interior do estado, e vive há mais de dez anos sob escolta policial 24 horas por dia por causa das ameaças de morte recorrentes que recebe.

A assessoria de Moro afirmou que não irá comentar o assunto.

Veja quem são os réus e os crimes que eles respondem

Tentativa de extorsão mediante sequestro

Janeferson Aparecido

Gomes Mariano

Claudinei Gomes Carias

Herick Da Silva Soares

Franklin Da Silva Correa

Aline Arndt Ferri

Aline Lima Paixão

Cintia Aparecida Pinheiro Melesqui

Hemilly Adriane Mathias Abrante

Organização criminosa

Janeferson Aparecido Mariano Gomes

Claudinei Gomes Carias

Herick Da Silva Soares

Franklin Da Silva Correa

Aline Arndt Ferri

Aline Maria Paixão

Cintia Aparecida Pinheiro Melesqui

Reginaldo Oliveira De Souza

Patric Uelinton Salomão

Valter Lima Nascimento

Sidney Rodrigo Aparecido Piovesan

Hemilly Adriane Mathias Abrantes

Oscalina Lima Graciote

Posse ilegal de arma de fogo com numeração suprimida

Reginaldo Oliveira De Souza

Posse ilegal de arma de fogo de uso permitido

Reginaldo Oliveira De Souza

O g1 tenta contato com a defesa dos réus.

Conforme o documento, Patric Uelinton Salomao e Sidney Rodrigo Aparecido Piovesan estão foragidos e com mandado de prisão em aberto. Outros cinco acusados estão presos preventivamente.

A investigação

As investigações indicaram que as ações para o ataque contra Moro, por exemplo, começaram em setembro de 2022, no período eleitoral, quando o atual senador ainda era candidato ao cargo que ocupa atualmente.

Mensagens trocadas por suspeitos mostram códigos usados por eles para combinar o possível sequestro do parlamentar, conforme as investigações.

Na conversa por WhatsApp, o termo "Tokio" é usado para se referir ao ex-juiz e ex-ministro do governo Bolsonaro, enquanto "Flamengo" substituiria "sequestro", e "Fluminense" seria usado no lugar de "ação".

Retaliação

De acordo com a denúncia, os planos seriam uma retaliação de integrantes de uma facção criminosa por causa de uma portaria do governo, na época em que Moro era ministro, que restringia visitas em presídios federais.

Pelo texto, as visitas sociais nesses presídios só poderão ser feitas, em regra, em parlatório — quando os presos ficam separados por vidros e conversam por interfone — ou por videoconferência.

De acordo com o Ministério da Justiça, antes da portaria, a regra era que as visitas em instalações de segurança máxima ocorressem nos pátios. Com a portaria, essa passou a ser exceção.

A portaria também estabeleceu que, para as visitas íntimas, continuariam valendo as regras de uma portaria sobre o tema publicada em 2017.

Na ocasião, o governo estabeleceu que a visita íntima é proibida, por tempo indeterminado, a quem foi membro de facção criminosa, líder de quadrilha ou tentou fugir da polícia. Presos que fecharam acordo de delação podem receber a visita.

Ainda houve mudança nas regras de visitação a presos quando Bolsonaro sancionou o pacote anticrime em dezembro de 2019 (que passou a valer em janeiro de 2020), quando Moro era ministro.

A lei ampliou o prazo de duração do chamado Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) para os condenados. São submetidos ao RDD — que prevê cela individual, restrição de visitas e de banho de sol — aqueles condenados que cometem crime doloso na prisão ou que provocam tumultos dentro dos presídios.

Com a mudança, o detento passou a ficar no RDD por até dois anos, e não mais 360 dias, como então previsto na lei. As visitas, que eram semanais, viraram quinzenais.

Além disso, as comunicações do preso passaram a ser monitoradas e a correspondência pode ser fiscalizada. O pacote foi o resultado da reunião de propostas elaboradas por Moro e por uma comissão de juristas coordenada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Conforme a denúncia, a investigação apontou que a transferência de lideranças da facção criminosa para presídios federais de segurança máxima também fez parte da motivação para os crimes.

Cronologia do plano

?? 2 de fevereiro de 2023: uma testemunha protegida pela Justiça depôs ao Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado, do Ministério Público de São Paulo.

A testemunha disse ser ex-integrante do PCC e estar jurado de morte pela facção, que atua dentro e fora de presídios brasileiros.

A testemunha relatou aos promotores que uma célula da facção, responsável por crimes contra autoridades e agentes públicos, planejava cometer um ataque contra Moro e outras pessoas. Ela também indicou telefones de suspeitos.

Um dos suspeitos citados pela testemunha é Janeferson Aparecido Mariano Gomes, apontado como líder do plano e integrante de célula do PCC chamada "Restrita 05".

?? Início do inquérito: o Grupo Especial de Investigações Sensíveis da PF abriu inquérito, em 3 de fevereiro, para apurar "possível plano de sequestro de autoridade pública".

A partir dos números de celular informados pela testemunha, a Justiça autorizou interceptações telefônicas e quebras de sigilo das linhas.

Além disso, a partir dos celulares, foram identificados e-mails que ajudaram a comprovar a ligação dos números com Janeferson, considerado o arquiteto do plano. A investigação comprovou que os e-mails são de pessoas ligadas ao narcotráfico e ao PCC.

Os e-mails levaram à troca de mensagens por aplicativo entre a suspeita Aline Maria Paixão e Janeferson, com quem teria relação amorosa. A mensagem, segundo a investigação, indicou existência "real" do plano de sequestrar Moro.

O codinome "Tókio", segundo a polícia, refere-se ao ex-juiz. Já "Flamengo" quer dizer sequestro.

A polícia conseguiu rastrear uma troca de mensagens com prestações de contas do grupo indicando gastos para o planejamento do crime.

Entre as despesas estão alugueis de imóveis, viagens, alimentação, combustível, armas, carros, etc.

Além disso, análise dos e-mails feita pela polícia identificou ações concretas no andamento do plano, como mapeamento e vigilância das atividades de Moro.

?? Veículo para o crime: A polícia identificou em troca de e-mails várias fotos de carros, entre eles uma Mercedes blindada.

O carro, segundo as investigações, poderia ser usado na execução do plano.

O veículo foi vendido recentemente a uma pessoa apontada como pai de Hemilly Adriane Mathias Abrantes, uma das suspeitas.

Hemilly já foi presa por furto qualificado. Ela é casada com um membro do PCC, sendo que o irmão dela também tem ligação com a facção.

O marido da suspeita está preso na Penitenciária Estadual de Piraquara, que abriga exclusivamente integrantes do PCC, segundo a investigação.

?? Caderno e Curitiba: Imagens que indicam os controles de gastos do grupo levaram a investigação ao codinome "Tókio" e ao nome da cidade de Curitiba.

Em conta de armazenamento em nuvem associada a Janeferson, a investigação encontrou uma conversa com a suspeita Aline de Lima Paixão.

Na troca de mensagens aparece foto de caderno com anotações sobre Moro.

Outra mensagem informa o mapeamento detalhado do local de votação do então candidato, em Curitiba. Confira nas imagens a seguir.?? Celular rastreado: A investigação interceptou conversas do suspeito Claudinei Gomes Carias, apontado como um dos principais responsáveis pela vigilância da rotina e das rotas do senador, assim como pela prestação de contas.

A polícia descobriu que o terminal do celular do suspeito foi utilizado em Curitiba em 24 de novembro e em 1º de dezembro de 2022.

Pelas coordenadas apuradas, o aparelho esteve na região do bairro Bacacheri, onde fica o local de votação de Moro.

A polícia também identificou atividades do aparelho na região tida pela facção como casa do senador e do Escritório Wolf Moro, que é da deputada federal e esposa do ex-juiz, Rosângela Moro (União-SP).

?? Ligações e locações de imóveis: Prints de chamada em grupo feita por vídeo no WhatsApp mostraram membros da cúpula do PCC na articulação do plano.

Um dos membros é apontado pelo governo federal como um dos responsáveis pela logística do plano de fuga de Marcola da Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, em 2014.

A interceptação de linhas telefônicas identificou várias chamadas para números de Curitiba, principalmente relacionadas a imobiliárias e à procura de casas e chácaras.

A investigação mostrou que tais contatos tinham relação com locação de imóveis que serviriam como base para o grupo, bem como para um possível cativeiro em caso de êxito no sequestro.

?? Tentativa durante eleições: A polícia destacou contatos feitos de 20 a 28 de outubro de 2022, período que antecedeu o segundo turno das eleições presidenciais. Para a investigação, isso reforça a intenção da facção em executar ações criminosas à época.

A polícia fez investigações em apartamento no bairro Jardim Botânico, em Curitiba.

Em conversa com os condôminos, uma moradora lembrou que, durante setembro e outubro de 2022, três homens se hospedaram em apartamento.

Segundo a moradora, por volta do dia 21 de outubro, “de uma hora para outra”, os homens abandonaram o local sem comunicar nada e sem pagar o devido aluguel.

A investigação identificou que entre moradores do imóvel estavam Janeferson e Claudinei.

?? Plano ainda em andamento: vídeo de 3 de fevereiro de 2023, atribuído a Claudinei, mostra fachada de prédio indicado como possível endereço de Moro.

Para a polícia, o vídeo demonstra que o plano de atentado contra o senador ainda estava em andamento, neste ano.

Ao decretar os mandados de prisão e busca e apreensão, na última terça-feira (21), a juíza Gabriel Hardt cita que "as provas colhidas indicam que atos criminosos estão efetivamente em andamento" em Curitiba há pelo menos seis meses.

A juíza cita ainda que o plano contava "com a presença física dos investigados, compra de veículos, aluguel de imóveis e monitoramento de endereços e atividades do senador Sergio Moro".

 

Por G1 PR

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